Vivemos hoje, mais do que em qualquer outro momento da história, a cultura da imagem. O que se vê é o que vale. É o que importa. Do culto de corpos a vidas editadas de redes sociais, a realidade mascarada por filtros e frases de efeito quase nunca alcança o que está ao alcance dos olhos. Tanto se fala sobre ‘encontrar o propósito’ e 'viver a sua verdade’, e tão pouco se faz.
Eu sou arquiteto, e hoje circular pela minha cidade é um eterno desalento com a absoluta mediocridade arquitetônica que domina o skyline. Aqui perto de casa tem um bairro inteiro forrado de prédios cobertos com uma textura bege ordinária, com sacadinhas brancas repetidas ao infinito, sempre com nomes pomposos que misturam francês, italiano e, sei lá, sânscrito para dar algum status a essa pobreza cultural absoluta. Como podemos permitir que nossa cidade seja assim, quando estamos tão preocupados com a imagem? Isso só mostra como investimos mal nosso dinheiro e nosso esforço.
Essa semana foi anunciado o prêmio Pritzker 2021. Para quem não sabe, esse é o equivalente do Oscar da arquitetura. Os vencedores são o casal Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal, que trabalham há mais de 30 anos juntos. O anúncio foi uma grande surpresa, porque essa homenagem é dada muitas vezes a arquitetos de renome internacional, com projetos megalomaníacos, que dominam as publicações especializadas (Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha estão entre eles). Mas o trabalho de Lacaton & Vassal é o contrário disso. É um trabalho discreto, local, introspectivo.
Enquanto muitos starchitects escrevem livros cheios de conceitos confusos e herméticos, Anne e Jean-Philippe seguiram sempre uma premissa básica: “A demolição é a solução mais fácil, mas também é um desperdício de energia, materiais e história e um ato de violência. A transformação é fazer mais e melhor com o que existe”. Ou seja: já temos tanta coisa construída. Por que não melhorar o que já existe, em vez de investir em fazer tudo de novo?
Com um objetivo tão simples, eles conseguiram fazer o retrofit de edifícios decrépitos e transformá-los em lugares sensacionais, valorizando-os não só economicamente, mas também socialmente. Com orçamentos modestos, eles focaram sempre na solução de problemas reais, no conforto térmico dos espaços, na qualidade ambiental, na sustentabilidade. Não importa a cara disso tudo. É uma arquitetura que olha para dentro de si, para quem está dentro dela. Importa o bem-estar, a escala, a ergonomia. Importa a felicidade humana. Não é, afinal de contas, para eles que a arquitetura é feita?
Olha de novo agora a foto que abre essa carta. De um lado está um prédio residencial existente em Bordeaux, e do outro está como ficou esse prédio depois da intervenção da dupla. Que cara tem o bairro onde você vive? A da direita ou da esquerda? A impressão que tenho é que todos nós somos hoje o prédio da esquerda, mas postamos no Instagram a foto da direita. Essa premiação, dada a um trabalho tão humilde para os padrões atuais, diz muito sobre a nossa sociedade. E quem sabe também não nos ajude a cuidar melhor das nossas cidades tão tristes.
Falando ainda de arquitetura, o Leão de Ouro de Veneza foi dado esse ano de forma póstuma à nossa (eternamente nossa) Lina Bo Bardi, que projetou o MASP e o Sesc Pompeia. Uma das maiores arquitetas do mundo é, infelizmente, pouco conhecida aqui na terra que ela escolheu para chamar de sua.
Era para estar acontecendo mais uma edição do SXSW, em Austin, mas claro que a pandemia não permitiu. Mas o que não falta é conteúdo na versão online do evento, o Couch by Couchwest. Nós estamos de olho no que está acontecendo e contamos um pouco aqui e aqui.
E agora é sério: hora de ficar em casa sem desculpas! A gente te ajuda a aproveitar o fim de semana com a nossa agenda cultural cheia de eventos online. As Boas do Fim de Semana tem apoio de Jack Apple, da Jack Daniel's.
Cuide-se. Estamos num momento crítico, e todo cuidado é pouco.